28 de dez. de 2008

ABRIR OS OLHOS

Foi num dia, numa tarde. Eu me virei e peguei os óculos do desconhecido ao meu lado. Eu só estava brincando. Resolvi vesti-los. Foi uma resolução não-planejada. Um gesto tão diminuto, eu não esperava...
Abrir os olhos é um ato.
Sem querer, subi a cabeça acima do nível da água e avistei de novo a terra e o céu. E respirei. E o caminho se abriu. Eu não sabia o que viria a seguir...

Foi num dia, numa tarde. Eu andava pela rua e deixei que meus olhos encontrassem os dele. Eu permiti o encontro. Depois, fechei os olhos e deixei que ele me levasse. E pelo caminho éramos os dois no rastro do meu cio.

Você me perguntou pra onde eu olho e chamou pelos meus olhos. Você perguntou: "você está olhando pra onde?" Eu respondi: "Pra lugar nenhum." Eu estava olhando pros novos lugares que reencontro dentro de mim. Eu precisava daquele instante pra reconhecê-los. Mas depois eu voltei a olhar pra você. E lembrei que seus olhos eram de mar.

Abrir os olhos é uma escolha. Abrir os olhos é uma necessidade.

27 de dez. de 2008

Borges

Mirar o rio feito de tempo e água
e recordar que o tempo é outro rio,
saber que nos perdemos como o rio
e que os rostos passam como a água
Sentir que a vigília é um outro sonho
que sonha não sonhar, e que a morte
que teme nossa carne é essa morte
de cada noite, que se chama sonho
Ver no dia ou no ano um símbolo
dos dias do homem e de seus anos,
converter o desrespeito dos anos
numa música, num rumor e um símbolo.

Ver na morte o sonho, no pôr-do-sol
um triste ouro, assim é a poesia
que é imortal e pobre.
A poesia volta como a aurora e o pôr-do-sol.
Às vezes numas tardes uma cara
nos mira lá do fundo de um espelho;
a arte deve ser como esse espelho
que nos revela nossa própria cara.
Contam que Ulisses, farto de prodígios,
chorou de amor ao divisar sua Ítaca
verde e humilde.
A arte é essa Ítaca
de verde eternidade, não prodígios.
Também é como o rio interminável
que passa e fica e é cristal
de um mesmo Heráclito inconstante,
que é o mesmo e é outro,
como o rio interminável.