21 de ago. de 2007

Penumbra

Era uma vez
Uma terra onde só existia a penumbra.
Era sempre noite de lua nova – a noite começou um dia, a lua nova ficou e nunca mais saiu. Os olhos dos bichos e das pessoas foram se acostumando com aquela penumbra e foram esquecendo o que era o sol. O único contorno mais forte que se via era o contorno da lua nova – de resto eram somente os fracos contornos na penumbra.
O caso é que um dia nasceu uma menina que, quando nasceu, também só sabia o que era a penumbra. Mas ela sonhava muito.
E nos seus sonhos apareciam imagens que seus olhos nunca tinham visto. Ela sonhava com o que nunca tinha visto, como se seus olhos tivessem alcançado lugares dos quais ela não havia se dado conta.
Aqueles sonhos foram lhe dando vontade de ver de verdade, acordada, o que ela só via em sonhos. Por mais que ela procurasse por ali algo que havia sonhado, ela não encontrava. Ela se deu conta que teria que ir a outro lugar pra ver acordada o que via nos sonhos. A vontade de achar aquele lugar foi tanta que ela um dia pulou um pulo que virou vôo e ela, levada por um vento, foi parar na lua.
E lá estava ela na lua que ela via de longe. Lá não tinha nada. Nem bichos, nem gente. E nem contorno nenhum pra se olhar – pois que se ela estava na própria lua, como iria olhar pro seu contorno? Ela chegou a sentir medo, pois era uma escuridão absoluta e ela estava completamente sozinha. Era um escuro muito escuro! Não se via nada. Nada mesmo. Então devagar, sem ela perceber, a lua foi girando.
Girando, girando... até que algo forte e intenso preenchia seus olhos. E aquecia seu corpo. E matizes preenchiam e desenhavam o que ela via, lhe lembrando do que ela havia vislumbrado em seus sonhos. Era mais forte do que seus olhos podiam agüentar e ela sentiu medo e espremeu os olhos – seguia de olhos abertos, espremidos mas abertos . Então, devagar, sem ela perceber, a lua foi girando.
Girando, girando... e voltou pra escuridão de novo. Ela continuou ali, girando junto com a lua por mais algum tempo. Indo da ausência absoluta de contornos pra explosão luz – sol! Ela já havia ouvido falar em sol, mas nunca tinha de fato visto o que era o sol. E seus olhos foram se acostumando a trabalhar daquele jeito novo – indo aos extremos, agora sem ter medo.
Mas não tinha ninguém ali. Nada. Nem bichos nem gente. Ela ficou com vontade de ter companhia de novo e desejou voltar pra terra daonde tinha vindo. Fechou os olhos. E sua vontade a levou de volta.
De volta a terra da penumbra, seus olhos não passeavam mais pelos extremos e ela se perguntou o que acontecia com aquela terra. Será que pra ver o sol e a escuridão ela precisaria ficar sozinha na lua? Mas porque naquela terra era sempre noite de lua nova? Por quê?
Então ela descobriu: aquela terra tinha parado de girar! Aquela terra da penumbra tinha parado de girar!
Aquela terra precisava girar de novo! Ela quis girar a terra de novo e fez muita força. Muita força.
Mas se deu conta que a terra era muito grande pra ela girar sozinha. E saiu pra procurar quem quisesse girar a terra com ela. Talvez se mais pessoas fizessem força pra girar a terra, a terra da penumbra voltaria a ver o sol e os contornos fortes e as cores de tudo...

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