6 de mai. de 2007

Engraçado como, em certos casos, algumas experiências levam o indivíduo a experimentar o reverso do que era esperado.
Experiências políticas que levam à alienação política, experiências amorosas que levam à solidão voluntária, experiências coletivas que levam ao individualismo, experiências místicas que levam ao ceticismo. Isso pra citar alquimias sombrias, mas há alquimias luminosas também como experiências de sofrimento que levam por caminhos tortuosos a descobrir a amorosidade, experiências de repressão que levam a posturas libertárias.
Conclusões que mudam o rumo num giro de 180 graus. Talvez por achar fragilidades no que antes dávamos por tão certo.
Quanto a experiências místicas que levam ao ceticismo...
Bem, tive uma fase mística. Todo mundo tem a sua, oras. A minha foi junto com um grupo que seguia um guru. Pseudo-misticismo protegido por uma redoma. Como explicar essa redoma? Bem, acho que nossas ações se circunscreviam num espaço muito limitado - como dizer "eu te amo" quando todo mundo tá felizinho de banho tomado, sem conflitos na hora de discriminar os gastos da conta corrente, numa vivência em que se espera que todo mundo fale eu te amo.
Ok, legal, a gente se desacostuma a dizer "eu te amo" no dia a dia, mas é uma panaquice, por sua vez, se acostumar a dizer "eu te amo" só com cheiro de incenso e musiquinha new age.
Passei, então, a amar o prosaico, a ouvir o tal "eu te amo" dito de outras maneiras, muitas vezes sem palavras.
E passei a ficar de bode de vivências com figuras iluminadas que acendem incensos e dizem "eu te amo" com cara de mané.
Pois fui numa dessas ontem. Ai, ai, ai...
A mulher trabalhou com um cara conceituado dentro do teatro e tava marcada um palestra dela. Fui, né?
Cheguei lá ela começou a falar da mãe terra e do pai céu - bicho, na real: eu gosto da mãe terra e do pai céu. Sério. (Ó só: Eu tava esperando o trem outro dia, na estação prefeito saladino, e do lado da plataforma tem umas flores, uns matinhos e grilinho cantando no começo da noite. E eu pensei: cara, se eu ouvisse grilo e sentisse cheiro de mato toda noite, eu seria outra pessoa. É.)
E ela falava pra gente falar love love love e se abraçar. Cara, tinha gente com lágrima nos olhos.
Ai...
Daí eu falei comigo mesma: "tá vendo, daniela, tá vendo? você virou cética! Porra, é legal falar com a mãe terra, dar abraços e dizer "eu te amo". Não é?"
Mas daí pensei no contexto: abre aí a porta do teatro e vamos chamar um mendigo pra abraçar e dizer eu te amo, vai. Vamos chamar todo mundo - o cara que te pentelha todo dia no trabalho, o cara que tá vendendo pipoca na frente do teatro, o cara que te dá repulsa ou medo. E vamos continuar dizendo eu te amo depois que acabar essa pseudopalestra, sem precisar ninguém mandar, naquela hora em que a gente tá cansado, naquela hora em que parece que o mundo é feio.
E a mulher se achava a azeitona da empadinha, conectada com as energias sutis do universo. Ela limpa o cu com as energias sutis do universo quando acaba o papel higiênico do banheiro dela? O problema não é limpar o cu com papel higiênico, o problema é achar que limpar o cu com papel higiênico exclui estar conectado com as energias do universo. O problema é achar que OU se está conectado com as energias do universo OU se anda na rua -se faz feijão na panela de pressão- se lava roupa-se grita pro filho não chutar a bola na vidraça de casa...Ou uma coisa, ou outra. Ou se é transcendental ou se é um burrão.
Isso pra mim é só onda pra vender mais incenso e cds new age.
Taí, minha vivência ananaíra me deixou cética.

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